Em julho, um áudio que se tornou viral no TikTok apresentava uma Elis Regina furiosa, expressando sua preferência por cantar dentro de uma fábrica em vez de se apresentar no Riocentro, no Rio de Janeiro, onde ocorreria um show em comemoração ao 1º de Maio, Dia do Trabalho.
Em trechos do áudio, Elis Regina afirmava: “Eu vou cantar numa fábrica no dia 1º de Maio. (…) o Mario Lago já conseguiu essa fábrica. Vou levar Saudade do Brasil para dentro de uma fábrica. (…) Riocentro não tem operário que possa ir, porque operário não tem carro para chegar lá e nem 400 paus para pagar o ingresso. Vamos parar com essa palhaçada, c******. (…) Eu não vou a um show apresentado pelo patrão.”
Em pouco mais de um minuto e meio, Elis criticava a elitização da música, questionando o paradeiro de artistas populares como Angela Maria, Jamelão e Agnaldo Timóteo, e indagava o motivo da elitização.
A autenticidade da entrevista tornou-se uma questão em meio às fake news. João Marcello Bôscoli, um dos filhos de Elis Regina, foi um dos primeiros consultados pelo g1. Ele expressou cautela quanto à veracidade do áudio, considerando as tecnologias disponíveis para manipulação. Bôscoli entrou em contato com conhecidos de Elis, porém, não obteve detalhes conclusivos.
Renata Christina Vieira, perita e fonoaudióloga forense com mestrado em Linguística pela UERJ e doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP, comparou o áudio viral do Youtube com entrevistas públicas de Elis Regina, concluindo que há fortes indícios de que a voz seja de Elis.
Uma pesquisa no Google levou à descoberta de uma tese de doutorado que reproduzia partes da entrevista. O autor, Robson Pereira da Silva, mencionou a fala de Elis em sua tese “Elis Regina: dou o tiro, quem mata é Deus – Performances da cena e da crítica na construção de uma intérprete do Brasil (1964-1978)”, apresentada na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Robson, que indicou que a entrevista era real, revelou que ela ocorreu em 1980, no Canecão, uma antiga casa de shows na Zona Sul do Rio, durante uma conversa com repórteres.
O poeta e escritor Fernando Graça, dono de um canal do Youtube, havia retirado a entrevista de uma página no Facebook chamada “Analisando Elis Regina”, formada por fãs da cantora. Graça indicou o cantor Marco Tonio Muylaert, que mencionou uma fita com a entrevista de Elis.
Muylaert confirmou sua participação como repórter na entrevista, ocorrida durante a temporada do show “Saudade do Brasil” no Canecão em 1981 ou 1980. Ele detalhou o contexto da fala de Elis, relacionando-a à prisão de Lula, um sindicalista, pelo regime militar.
A autenticidade da entrevista foi corroborada quando Césio Vital Gaudereto, colecionador de revistas antigas, encontrou a entrevista na edição de maio de 1980 da revista “Sétimo Céu”, cujo conteúdo foi confirmado em uma chamada de vídeo.
Dessa forma, após investigações detalhadas, foi comprovado que a entrevista de Elis Regina era genuína.