O fenômeno da fragmentação da internet, marcado pelo crescente controle no fluxo de dados e pela regulação do ambiente virtual por parte dos países, emerge como uma tendência global preocupante, conforme apontado pelo professor Victor Oliveira Fernandes, conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e especialista em Direito da Concorrência no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público).
Em uma entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, realizada pela revista eletrônica Consultor Jurídico, Fernandes explora as complexas relações entre internet, legislação e territorialidade, oferecendo insights valiosos sobre as implicações dessa fragmentação para o cenário jurídico e tecnológico contemporâneo.
Nos primórdios do debate, que surgiram no âmbito do Direito Constitucional na década de 1990, uma das questões centrais girava em torno da possibilidade de regulamentar a rede mundial de computadores. O professor destaca que a internet desafia um elemento fundamental do constitucionalismo: a relação entre poder e território. A partir disso, uma série de teorias surgiram, abrangendo perspectivas libertarianistas e paternalistas, cada uma buscando abordar a regulamentação do ciberespaço.
No entanto, o foco se voltou para uma indagação crucial: faz sentido propor a regulação do ciberespaço na ausência de jurisdições nacionais coesas sobre o tema? Ao longo do tempo, a criação de leis nacionais voltadas a questões como a guarda de dados e a moderação de conteúdo tornou-se uma realidade. Esse movimento, de caráter global, traz consigo riscos amplamente discutidos na literatura, como apontado pelo professor Milton Mueller, da Georgia Tech.
Esse cenário de fragmentação traz consigo implicações concretas, como a ideia de que a guarda de dados deve ocorrer dentro dos limites territoriais nacionais, como é observado em países como a China. Além disso, o uso de firewalls para restringir o acesso a determinadas páginas da internet em território chinês ilustra essa tendência.
O professor Fernandes expressa sua inquietação diante desse panorama, enfatizando que é fundamental buscar formas de cooperação global em meio a essa crescente fragmentação. A partir de sua perspectiva, o desafio reside em compreender como essa cooperação pode se materializar de maneira eficaz e abrangente.
Ele aponta exemplos de esforços de cooperação internacional, como o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre Brasil e Estados Unidos (MLAT). O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade do Marco Civil da Internet também é abordado, destacando a importância do tratado e da harmonização global para lidar com questões complexas, como a entrega de dados entre jurisdições.
Em um mundo em constante evolução digital, as discussões em torno da fragmentação da internet e da cooperação global ganham relevância inquestionável. A compreensão dos desafios e oportunidades nesse contexto é fundamental para garantir um ambiente virtual regulamentado, inclusivo e seguro para todos os usuários, transcendendo as fronteiras nacionais e promovendo uma internet global coesa.
Como destacado pelo professor Fernandes, a fragmentação da internet representa um convite para a reflexão sobre como garantir a harmonia entre a regulamentação nacional e a cooperação internacional, assegurando assim um ambiente digital que promova o progresso tecnológico e a proteção dos direitos individuais. O desafio é grande, mas a busca por soluções colaborativas e abrangentes é crucial para o futuro da internet e da sociedade como um todo.