“A última viagem de Demeter” resgata Drácula com elementos reaproveitados

Ana Priscila
Tempo de Leitura 5 min

Reimaginar “Drácula” para o cinema no século 21 é um ato de coragem. Com um século decorrido desde a primeira adaptação cinematográfica do livro de Bram Stoker, o filme húngaro “The Death of Dracula” de 1921, o icônico príncipe das trevas já protagonizou mais de 80 filmes e séries, explorando virtualmente todos os ângulos possíveis de sua história.

Entretanto, há um novo olhar para essa saga. E ele se chama “A Última Viagem de Demeter”. Nesse filme, o renomado diretor norueguês André Øvredal (“O Caçador de Troll”, “A Autópsia”) expande um único capítulo de “Drácula”, os “Diários do Capitão”, em um filme completo. O resultado, apesar de alguns altos e baixos, é um exemplar de filme de terror clássico que navega entre clichês, mas que, em momentos cruciais, alcança seu verdadeiro potencial.

O Demeter é a embarcação que cruzou o Mediterrâneo partindo de Varna, na Bulgária, com destino a Londres, na Inglaterra. A bordo, carrega caixas misteriosas vindas da Romênia. Contudo, a tripulação não tinha ciência de que, nos porões sombrios do navio, repousava o caixão que abrigava o próprio Drácula, descansando em sua terra amaldiçoada na Transilvânia. Ao longo das semanas no mar, a criatura lendária emergiria de seu leito para se alimentar dos incautos marinheiros.

O roteiro, elaborado por Bragi F. Schut Jr. (que concebeu a ideia nos anos 1990) e Zak Olkewicz, mergulha na história de Clemens (interpretado por Corey Hawkins), um médico que embarca no Demeter pouco antes de sua partida em Varna. Clemens se torna nossa perspectiva ao longo do filme, nos permitindo experimentar a perspectiva dos marinheiros sob o comando do capitão Elliott (vivido por Liam Cunningham).

Enquanto o navio segue em alto mar, Clemens encontra Anna (Ailing Franciosi), uma passageira clandestina que está sofrendo de uma misteriosa infecção sanguínea. Embora a tripulação veja a presença feminina como um sinal de “azar”, Anna lentamente se recupera e revela a verdade aterrorizante sobre o outro passageiro a bordo.

Conforme a viagem avança, uma sensação de inquietação toma conta dos ocupantes do navio. Animais aparecem mutilados e homens começam a desaparecer misteriosamente. Quando Drácula finalmente emerge de sua tumba sombria, uma criatura que Anna conhecia desde sua vila na Romênia, a viagem se transforma em um autêntico pesadelo.

“A Última Viagem de Demeter”, apesar de centralizar a figura de Drácula, adota a estrutura clássica de uma casa assombrada. Semelhante a filmes como “Alien, O Oitavo Passageiro” ou “O Enigma de Outro Mundo”, a trama reúne um grupo isolado em um ambiente inóspito, onde enfrentam uma entidade maligna em uma luta desesperada pela sobrevivência.

Entretanto, o diretor Øvredal não traz exatamente inovações ao gênero, ao contrário de nomes como Ridley Scott ou John Carpenter. As decisões tolas dos personagens, a falta de escuta à única pessoa que conhece o monstro, a paranoia que supera a razão – tudo isso é trabalhado de maneira previsível. Enquanto o grupo se debate com soluções ineficazes, Drácula se aproveita.

“A Última Viagem de Demeter” traz consigo um charme reminiscente dos clássicos filmes de terror da Hammer, com tempestades iluminadas por relâmpagos sinistros, recantos sombrios que distorcem a visão e uma revelação gradual e implacável da natureza do mal. O próprio design do vampiro, aliás, mais se assemelha ao Nosferatu criado por F.W. Murnau do que à figura aristocrática imortalizada por Bela Lugosi e Christopher Lee, e posteriormente retratada por Gary Oldman.

Ainda que não se destaque como uma reinterpretação revolucionária de um personagem tão explorado, “A Última Viagem de Demeter” é uma produção sólida e bem executada. Um filme competente que, apesar de suas oscilações, não decepciona. Isso é muito mais do que se pode dizer de outras representações de Drácula que surgiram nas telas em 2023, como o papel de Nicolas Cage no desajeitado e inofensivo “Renfield”. Certamente, o senhor dos vampiros com sua característica fileira de dentes afiados teria encontrado mais desafios e entretenimento a bordo do Demeter.

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