Movimento Armorial na Gastronomia: Uma celebração das raízes brasileiras

Luiz Antônio
Tempo de Leitura 5 min

No dia 18 de outubro, nos anos 1970, o escritor Ariano Suassuna deu vida ao Movimento Armorial. Na cidade de Recife, Pernambuco, um grupo de artistas reuniu-se no pátio da igreja de São Pedro dos Clérigos com um projeto audacioso: criar uma arte erudita inspirada nos elementos da cultura popular brasileira.

O propósito principal era desenvolver uma expressão artística autêntica baseada nas raízes nacionais, desafiando o Brasil a confrontar sua própria identidade. Essa ideia já ecoava nas obras de Ariano há mais de uma década. Ele escreveu “O Auto da Compadecida”, uma adaptação de folhetos de cordel para o teatro, que eventualmente alcançou o cinema e a TV como minissérie, enquanto vivia no interior da Paraíba.

Embora o Movimento Armorial tenha se espalhado por várias formas artísticas, como literatura, dança, teatro e arquitetura, a gastronomia não havia sido contemplada até então. Talvez naquela época o país ainda não estivesse pronto para enxergar a culinária como um pilar cultural tão significativo quanto a língua, por exemplo.

Cozinha Armorial: Uma Nova Abordagem Foi o chef paraibano Onildo Rocha quem trouxe a Cozinha Armorial à cena gastronômica. Ele sentia que os rótulos atribuídos à sua cozinha, como “fusion”, “franco-nordestina” e “contemporânea”, não faziam jus à sua abordagem. Ele explicou: “Na verdade, eu usava a metodologia da gastronomia francesa para transformar os ingredientes que tinha à disposição”.

Um dia, após ler “Romance d’A Pedra do Reino”, uma obra de Ariano Suassuna, Onildo teve um insight: sua gastronomia era Armorial. Ele começou a estudar mais sobre o movimento e viu uma incrível semelhança com o que fazia, que era enaltecer ingredientes e a cultura popular. Ele obteve autorização da família Suassuna para usar o termo para descrever seu trabalho.

Em 2017, durante o congresso internacional “Mesa Tendências”, em São Paulo, Onildo apresentou o conceito de Cozinha Armorial. Ao seu lado estava Ana Rita Dantas Suassuna, prima de Ariano e autora do livro “Gastronomia Sertaneja: Receitas que Contam Histórias”.

Esse foi o momento em que a espada do Movimento Armorial foi fincada na gastronomia brasileira. Hoje, como chef do Notiê e Abaru, no Shopping Ligth, em São Paulo, Onildo apresenta menus que transformam ingredientes populares em alta gastronomia. Um exemplo é a reinterpretação do cuscuz com cabrito, prato tradicionalmente encontrado em feiras paraibanas.

No menu Sertões, Onildo apresenta sua versão do prato: cabrito cozido em baixa temperatura, glaceado com roti, mini cenouras grelhadas sobre passata de tomates, servido com cuscuz em uma cuscuzeira artesanal de Itabaiana, Paraíba.

Embora tenha surgido no sertão nordestino, o Movimento Armorial não conhece limites geográficos. Existem chefs em diferentes partes do Brasil que seguem essa mesma direção.

No Sul, em Curitiba, Paraná, Manu Buffara é um exemplo desse movimento. Com uma cozinha focada no protagonismo vegetal, Manu extrai o melhor dos ingredientes do dia a dia, dos mercados e feiras, para criar uma culinária autêntica.

Manu, eleita a melhor chef mulher da América Latina pelo Latin America’s 50 Best Restaurants 2022, tem sua cozinha marcada pela conexão com a natureza. Ela acredita que seu papel é extrair o máximo dos ingredientes regionais, transformando-os em experiências culinárias excepcionais.

Outro exemplo é o chef Felipe Schaedler, que, embora tenha nascido em Santa Catarina, se tornou uma referência na culinária amazônica. Após mudar-se para o Amazonas, Felipe se apaixonou pela riqueza dos ingredientes locais e criou pratos únicos que valorizam os sabores e as tradições ribeirinhas e indígenas.

A essência do Movimento Armorial parece ser a capacidade de extrair a autenticidade dos ingredientes e das culturas locais, transformando-os em algo global. Assim como a literatura, a música e outras formas de arte, a gastronomia agora é uma maneira de o Brasil provar o próprio Brasil, através dos sabores que unem as pessoas em todo o mundo.

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